Nosso Amigo Ricardo Sassi
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terça-feira, 2 de agosto de 2011
Cidreira, 1983
O ano era 1983, seria Inverno? Verão não era. O Sassi nos convidou para um final de semana na praia de Cidreira, onde sua família tinha uma casa. Éramos um bando ("e muitos outros"): Marley, Bete, Rômulo, Jaiçon, Lontra, Fortunato e eu, além do anfitrião. Talvez tou esquecendo alguém. Acho que alguém de Lajeado passou por lá, de moto. Seria o Daniel? Ah, se alguém tivesse uma foto...
Como o Sassi, eu conhecia Cidreira desde a infância (talvez nos tenhamos cruzado ali, sem saber), e levava uma impressão marcante da imensidão das dunas ("o deserto"), que eu tinha atravessado uma vez a pé, até a lagoa. Mas agora, pela primeira vez, não era verão.
Andamos, cantamos e dançamos pelas dunas e pela cidade deserta; alguém enfrentou o frio corajosamente, ensaiando um nudismo; brincamos de espelho e paramos para prestar atenção na água que corria na sarjeta, transformada pelos olhos maravilhados em um rio cheio de vida... Na falta de outra coisa, experimentamos fumar louro e até orégano.
E escrevi uma canção singela:
CIDREIRA
Vento vem e leva areia
Leva leve e vai e sempre
Traz a voz velada em ondas
Gritos risos
Tudo o que pudéssemos dizer não cabe
Todo o mundo sabe
Que nos olhos tem tudo
Tanta paz eu nunca vi
Mas posso ver
Que tudo é essência
É questão
Estamos sós
E além de nós só há
O sopro desse vento
M.e.r.d.a, 1982
Organizando a papelada encontrei um livreto da Mostra Estudantil Reveladora da Arte, ou M.e.r.d.a, publicado por estudantes da Engenharia da UFRGS, em 1982. Onde apareceram 2 poemas do Sassi
PARATI
A primeira fez nascer o sol
Acabou
O sol continuou no mesmo lugar
Tu chegaste
E com mãos de compreensão
foi tirando
pouco a pouco
as nuvens que cobriam seu brilho
Hoje ele brilha sem medo
SÉCULO XX
Esperava uma idéia
Esperava esperança
Esperança de seguir
Esperava entendimento
Esperava esperança
Esperança de uma raça
Uma bomba
Esperava...
e seguiu sonhando
Mas já estava morto
PARATI
A primeira fez nascer o sol
Acabou
O sol continuou no mesmo lugar
Tu chegaste
E com mãos de compreensão
foi tirando
pouco a pouco
as nuvens que cobriam seu brilho
Hoje ele brilha sem medo
SÉCULO XX
Esperava uma idéia
Esperava esperança
Esperança de seguir
Esperava entendimento
Esperava esperança
Esperança de uma raça
Uma bomba
Esperava...
e seguiu sonhando
Mas já estava morto
sexta-feira, 17 de junho de 2011
... e artes em geral
Se os meus estudos de música na Universidade (a partir de 1984) me permitiam sugerir novas descobertas ao Sassi, na área de artes plásticas, era ele quem estava na dianteira. Sem nunca ter entrado num museu (que eu me lembre), àquela época, o pouco que eu sabia aprendi por tabela nas aulas de história da música. Já o Sassi tinha aquelas coleções de fascículos sobre os grandes pintores. Foi ele que me apresentou para Bosch, por exemplo. Mas a grande dica que ele me deu foram os livros do crítico e historiador inglês Herbert Read, especialmente A educação pela arte, uma obra revolucionária que eu só fui ler no meu exílio em Esmeralda, quando tinha tempo sobrando. Gostei tanto que depois comprei quase toda a obra desse sujeito que, com vasta erudição e escrita elegante, tornava tudo compreensível aos leigos. Recomendo.
terça-feira, 14 de junho de 2011
Música, música, música
Assim como eram raros os amigos com quem eu podia falar horas sobre literatura, era difícil encontrar quem gostasse tanto de música e gastasse com ela tantas horas de vida como eu (salvo, naturalmente, os músicos). Um desses era o Sassi, e logo algumas cenas antológicas me vêem à mente.
Uma das mais marcantes foi a noite em que ouvimos Horizon, de Jon & Vangelis, na casa do Sassi. Acredito que o Irno teve naquela noite uma compreensão da música num nível nunca antes alcançado por ele.
Vivaldi, Bach e a música barroca em geral eram compartilhados frequentemente entre nós. Lembro bem do impacto que nos causou o filme "Inverno", longa metragem gaúcho em super 8, relançado há poucos anos em DVD, cuja trilha incluía o concerto de As quatro estações.
Compartilhávamos também uma predileção pela obra de Beto Guedes, que o Sassi considerava, junto com Jon Anderson, um iluminado (mesmo o Beto sendo só compositor, isto é, não tendo escrito ele próprio as grandes letras que cantava), a ponto de ter uma foto do cara num porta retratos.
Private Collection, de Jon & Vangelis (disponível em CD) |
Vivaldi, Bach e a música barroca em geral eram compartilhados frequentemente entre nós. Lembro bem do impacto que nos causou o filme "Inverno", longa metragem gaúcho em super 8, relançado há poucos anos em DVD, cuja trilha incluía o concerto de As quatro estações.
Werner Schünemann em cena de Inverno (1983), de Carlos Gerbase |
A Página do Relâmpago Elétrico, primeiro LP individual de Beto Guedes |
Livros, livros, livros
Entre meus grandes amigos, todos eles conhecidos há mais de duas décadas, nenhum gostava tanto de ler como eu, com exceção do Sassi. Passatempo de crianças enfermiças que fomos, ele asmático e eu sofrendo de seguidas infecções na garganta, e que só na adolescência adquiriram na rua um grau maior de imunidade.
A literatura era, pois, um de temas preferidos de conversa, e motivo de forte identificação. Ainda lembro, por exemplo, da forte impressão que causou a ele Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo. "Tem que ler!", ele me recomendou, mas até hoje não achei tempo para ler esse tijolo. "O homem e seus símbolos", de Jung, foi outra indicação que não segui, embora tenha lido outros textos dele.
Cecília Meireles era nossa grande musa em comum. Eu acabei comprando quase toda a obra dela em sebos, mas ainda devo ter lá em casa o exemplar de Viagem/Vaga Música que ele me emprestou.
Da literatura emigrávamos para o país vizinho da filosofia, à qual ele acabou se dedicando mais a fundo, encontrando em mim um interlocutor que, embora diletante, ao menos tinha lido um bocado, mesmo não entendendo a metade. O exemplar dos Pensadores dedicado à Escola de Frankfurt, que ele me emprestou no tempo da faculdade de música, foi uma revelação, sobretudo Benjamin e Adorno, cujo ensaio "O fetichismo na música" eu enchi de anotações a lápis. Bem mais tarde, ele acabou me dando esse livro.
Falar nos Pensadores me lembra um episódio engraçado que aconteceu na primeira vez em que estive na casa do Sassi, ou melhor, no puxadinho que se transformara no quarto dele, com um grau de independência da casa altamente positivo para qualquer guri de 20 anos. Havia ali um mural, e nele uma relação manuscrita desses pensadores, cada um deles seguido por um nome próprio menos conhecido, que servia para lembrar a quem ele havia emprestado cada livro. Era preciso ao mesmo tempo muita ignorância e imaginação para perguntar o que eu perguntei "se aquilo era uma tentativa de associar cada amigo a um filósofo"?!?!?!
A literatura era, pois, um de temas preferidos de conversa, e motivo de forte identificação. Ainda lembro, por exemplo, da forte impressão que causou a ele Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo. "Tem que ler!", ele me recomendou, mas até hoje não achei tempo para ler esse tijolo. "O homem e seus símbolos", de Jung, foi outra indicação que não segui, embora tenha lido outros textos dele.
Adicionar legenda |
Cecília Meireles era nossa grande musa em comum. Eu acabei comprando quase toda a obra dela em sebos, mas ainda devo ter lá em casa o exemplar de Viagem/Vaga Música que ele me emprestou.
Cecília Meireles (1901-1964) |
Da literatura emigrávamos para o país vizinho da filosofia, à qual ele acabou se dedicando mais a fundo, encontrando em mim um interlocutor que, embora diletante, ao menos tinha lido um bocado, mesmo não entendendo a metade. O exemplar dos Pensadores dedicado à Escola de Frankfurt, que ele me emprestou no tempo da faculdade de música, foi uma revelação, sobretudo Benjamin e Adorno, cujo ensaio "O fetichismo na música" eu enchi de anotações a lápis. Bem mais tarde, ele acabou me dando esse livro.
Falar nos Pensadores me lembra um episódio engraçado que aconteceu na primeira vez em que estive na casa do Sassi, ou melhor, no puxadinho que se transformara no quarto dele, com um grau de independência da casa altamente positivo para qualquer guri de 20 anos. Havia ali um mural, e nele uma relação manuscrita desses pensadores, cada um deles seguido por um nome próprio menos conhecido, que servia para lembrar a quem ele havia emprestado cada livro. Era preciso ao mesmo tempo muita ignorância e imaginação para perguntar o que eu perguntei "se aquilo era uma tentativa de associar cada amigo a um filósofo"?!?!?!
O filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) em raro momento de descontração |
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